domingo, 6 de fevereiro de 2011

Assédio moral nas empresas. Avançamos um pouco

Louvável, absolutamente louvável. Os principais bancos do país acabam de assinar um acordo com os trabalhadores para combater o número crescente e vergonhoso de casos de assédio moral nas instituições financeiras.
Evidentemente, o problema não está restrito aos bancos e se estende a uma parte significativa de empresas que continuam praticando a velha tese de "quem pode manda, obedece que tem juízo" , com a discriminação (étnica, de gênero, sexual etc) acintosa de minorias, com a perseguição aos que divergem do discurso oficial e sobretudo aos que contestam o autoritarismo de chefias incompetentes.

A AMBEV se tornou exemplo emblemático neste sentido pela sua cultura que pressiona escandalosamente por resultados (dizem que está mudando a postura) e que lhe valou inúmeros processos de assédio moral (vide Assédio Moral Ambev no Google), mas pode até perder esta posição, se o cenário não se modificar. Há uma avalanche de ações na Justiça e somente o Tribunal Superior do Trabalho julgou, em 2010, mais de 650 processos, um aumento de quase 45% em relação ao ano anterior.

O caso mais recente, destacado pela mídia, foi o da Renosa, uma indústria de bebidas (franqueda da Coca-Cola) de Mato Grosso, que foi obrigada a indenizar em 80 mil reais um funcionário que, por repetidas vezes, em função do seu desempenho considerado baixo, recebeu o "troféu tartaruga". Segundo notícia publicada na Folha de S. Paulo de 27/01/2011, o vendedor da Renosa (já saiu de lá, é claro!) recebia o troféu diante dos colegas e era obrigado a ouvir comentários irônicos. Pior: tinha que levar o troféu e exibi-lo nas reuniões.

O tratamento humilhante de funcionários não combina com a moderna gestão de pessoas, mas tem tudo a ver com culturas organizacionais que privilegiam metas (quase sempre inatingíveis) e abrigam chefias (que de líderes têm coisa alguma) com problemas psicológicos difíceis de resolver.

O acordo dos bancos com o Sindicato dos bancários vem em hora certa e permitirá que os trabalhadores disponham de canais de comunicação nestas instituições para a denúncia anônima de casos de assédio moral. Com isso, os abusos devem diminuir drasticamente, mesmo porque chefes que insistam nessa postura inaceitável serão, de agora em diante, patrulhados, denunciados e (quem tem dúvida?) colocados no olho da rua, onde deveriam estar há um bom tempo. Na verdade, é preciso admitir que as pessoas só agem desta forma quando há culturas e diretorias que legitimam os seus atos e existe um setor de recrutamento que não tem competência para identificar, nos gestores que admite, mentes doentias e não comprometidas com a modernidade.

Vários bancos têm sido punidos pela Justiça em função da postura inadequada de chefias com esse perfil. Sabe-se que a maior indenização (1,3 milhão de reais) por assédio moral no Brasil associada a uma instituição financeira envolveu o Bradesco, com a acusação de preconceito em relação à orientação sexual de um funcionário. Mas o Santander também teve que pagar 100 mil reais a um ex-gerente que sofria perseguições porque não atingia as metas rigorosas que eram impostas pelo banco. E também se comenta largamente o caso de uma funcionária do Itaú Unibanco que teve sua desconfortável situação financeira exposta publicamente e utilizada como exemplo a não ser seguido.

Ninguém ignora que as nossas organizações são, por excelência, autoritárias (as exceções só confirmam a regra) e que, portanto, esses casos se multiplicam Brasil afora. A novidade é que, gradativamente, os cidadãos vão tomando consciência de que não devem tolerar esta situação vexatória e recebido apoio de sindicatos e de parcela da Justiça para pedir reparação pelos danos sofridos no ambiente de trabalho por empresas socialmente irresponsáveis.

Este panorama conflita com o oba-oba que observamos na Comunicação Empresarial brasileira e com os cases premiados de comunicação interna, muitos deles verdadeiras peças de mistificação. Na prática, eles relatam avanços meramente pontuais, muitas vezes irrelevantes, na relação com os funcionários, mas infelizmente entidades e jurados preferem valer-se mais dos relatos do que da verdade para concederem os prêmios, como denunciamos em artigo anterior neste Portal (Na Comunicação Empresarial, as versões valem mais do que os fatos). Há uma hipocrisia empresarial em ação e o mesmo acontece nas premiações em Recursos Humanos, com empresas predadoras abocanhando troféus de gestão por cases manipulados pelos próprios gestores.

A moderna administração não pode conviver com processos de gestão equivocados e que submetem os funcionários a situações humilhantes, desrespeitam a privacidade e afrontam a dignidade humana. Por isso, é fundamental que medidas exemplares sejam tomadas para coibir abusos e que estejamos atentos para denunciá-los, valendo-se dos meios de comunicação, dos sindicatos e das redes e mídias sociais que não estão sob controle, ainda bem, de chefias e empresários inescrupulosos.

Uma organização alinhada com os novos tempos deve privilegiar o clima organizacional saudável, cultivar o diálogo e o respeito em relação aos seus funcionários e promover uma comunicação interna democrática, que abra espaço para o pluralismo de idéias e a divergência de opiniões. O assédio moral compromete as relações de trabalho, degrada o ambiente organizacional e contribui para o surgimento de crises institucionais, cada vez mais comuns nos dias de hoje.

Os bancos, que têm uma imagem ruim em função de seus juros pornográficos e da sua nem sempre relação amistosa com os clientes (badalam os que têm grana e espezinham os que estão em dificuldade financeira), deram um passo importante para reverter, ainda que parcialmente, esta situação.

O negócio agora é colocar o acordo pra funcionar e exigir que as instituições financeiras tratem melhor os seus funcionários, dando inclusive exemplo a outros setores que também não podem orgulhar-se (muito pelo contrário) de sua democracia interna.

Talvez seja a hora de rediscutir o uso de câmeras de vídeo para vigiar funcionários (há empresas que são mesmo dinossáuricas!), alguns processos degradantes de escolha de novos contratados (tem gerente de RH que obriga candidatos a se comportarem como animais e que os submete a todo tipo de constrangimento) e mesmo dos house-organs que são utilizados apenas para badalar empresas e chefias: sem cor, sem cheiro, sem sabor, sem coisa alguma de tão desinteressantes.

As redes sociais estão aí para as denúncias contra empresas e chefias. Vamos utilizá-las amplamente no caso de assédio moral e também para saudar organizações e gestores que respeitam os seus funcionários. Não podemos ser complacentes com o autoritarismo interno porque ele é incompatível com a democracia e a cidadania. Vamos chutar (com força) os fundilhos dos chefes que ainda acreditam que a liderança tem a ver com o uso do porrete, como nos tempos da ditadura.

O mercado, o ambiente de trabalho, a sociedade está mudando. Por que determinadas organizações não se deram ainda conta disso? Aposto que elas não sobreviverão."

Por Wilson da Costa Bueno, jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

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