sexta-feira, 16 de novembro de 2012

UFPR é condenada por assédio moral a professor

Da coluna de Aroldo Murá

No ano em que se comemora o centenário de fundação da Universidade Federal do Paraná nem tudo são flores no âmbito da instituição. Um grupo de ex-alunos do professor Fernando Hintz Greca (foto), professor Associado (agora aposentado) do Curso de Medicina da UFPR faz chegar à coluna decisão judicial, de uma juiza federal, reconhecendo os direitos reclamados pelo referido professor Greca. Ele, desde 2007 vinha percorrendo caminhos burocráticos, dentro da Universidade, em vão. Reclamava contra o que considerou serem arbitrariedades praticadas contra ele por seu então chefe imediato, o professor e coordenador da disciplina de Cirurgia Geral, e hoje chefe do Departamento de Cirurgia, professor Renato Araújo Bonardi. ”Fui por ele , repentinamente, alijado de minhas funções”, diz Greca em correspondência enviada aos professores das UFPR.

A coluna publica a carta, longa. Trata-se de um sentido reclamo de um mestre injustiçado, como reconheceu a Justiça Federal, a qual também determinou que a União ressarcisse o professor Fernando Greca pelos prejuízos morais sofridos.

O que se deduz é que um clamoroso caso de assédio moral demorou a ser penalizado, mas o foi, dentro da UFPR. Espera-se que além de ser o primeiro – com tais dimensões, na universidade centenária – seja o último.

Ontem a coluna telefonou para o HC da UFPR e deixou recado ao coordenador, professor Bornardi. Não obteve resposta, mas esta à disposição dele para abrigar sua versão dos fatos.

EM 2007, O COMEÇO

“Curitiba, 8 de novembro de 2012
Prezados colegas médicos e professores da UFPR,

No dia 27 de janeiro de 2007, após vinte e três anos atuando como médico e como professor associado do Departamento de Cirurgia da UFPR, por discordar, ou melhor, por não me enquadrar nas regras e normas estipuladas pelo então coordenador da disciplina de Cirurgia Geral e hoje chefe do Departamento de Cirurgia, professor Renato Araújo Bonardi, fui, repentinamente, alijado de minhas funções.

Diante de tamanha arbitrariedade, apelei a todas as instâncias administrativas da Universidade para que fosse aberto um processo administrativo e disciplinar, a fim de que se esclarecessem as razões que levaram o professor Bonardi a tomar tal atitude.

Mesmo sendo aconselhado pelo procurador da Universidade, Dr. Marcos Augusto Maliska, a abrir uma sindicância para apurar os fatos, mediante seu parecer nº 1213/07, tanto o Departamento de Cirurgia quanto o Setor de Ciências da Saúde optaram pelo engavetamento do pedido. Somente em 2010, quando a ação já havia sido julgada, e por intervenção do Ministério Público Federal, foi aberto um processo administrativo e disciplinar e em seguida arquivado.

Considerando-se que a Lei n. 9784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal) estabelece um prazo de 30 (trinta dias) para julgamento dos pleitos administrativos, conforme seu art. 49, o qual estabelece um dever legal de decidir, e dada a omissão do Departamento de Cirurgia e do Setor de Ciências da Saúde, ingressei com uma ação de assédio moral/danos morais na Justiça Federal, na data de 13 de junho de 2007”.

O PARECER DO MPF

Apesar do parecer do Ministério Público Federal totalmente favorável à procedência da ação, esta foi julgada na data de 07/08/2009 pela juíza Gisele Lemke, da 2ª Vara da Justiça Federal, como parcialmente procedente:

Fernando Hintz Greca: ganhou na justiça.

“(…) Contudo, a ação merece procedência parcial, em razão do ofício enviado pelo dr. Bonardi ao dr. Stalke, chefe do departamento. Este ofício efetivamente ultrapassou a competência do primeiro e teve o condão de provocar um dano à imagem do autor, sobretudo porque tornado público no âmbito do departamento, consoante se depreende do depoimento do dr. Gustavo -fl. 483. Ademais, ficou claro que o dr. Bonardi era chefe de fato do autor, embora não de direito (ver fls. 491, 494 e fls. 520 e ss.), conforme admitido pelo próprio dr. Bonardi. Foi admitido por este último, ainda, que ele não teria competência para colocar o autor à disposição do departamento. E, de todo modo, ainda que o tivesse, não havia motivo que o justificasse. Em que pese a disputa de poder entre os dois, bem como a tentativa do autor de ingressar na unidade de Coloproctologia, certamente mal vista pelo dr. Bonardi, isso não justifica a atitude arbitrária de se colocar um servidor à disposição da chefia subsequente, afastando-o de suas funções. E, principalmente, isso não poderia ter sido feito da forma como o foi, tomando o autor de surpresa e ainda com a publicidade que foi dada ao ato, o que certamente teve o condão de ferir a imagem e a honra do autor naquele ambiente profissional, causando-lhe um dano moral. No que se refere a tal fato, está presente a responsabilidade da ré, visto que, devidamente comunicada, não tomou as medidas pertinentes.”

Como se observa, a procedência parcial da sentença deveu-se exclusivamente ao ofício encaminhado pelo dr. Renato Araujo Bonardi, chefe da Unidade de Coloproctologia e da disciplina de Cirurgia Geral, colocando-me à disposição do Departamento de Cirurgia, ato este, ilícito e desarrazoado, e, como tal, determinante para a condenação que impõe reparação por danos morais. Esta decisão em primeiro grau foi ratificada pelos tribunais superiores

Com o trânsito em julgado, foi proposta a Execução de Sentença, atuada sob o n° 5048405-96.2011.404.7000. Ato contínuo, foi expedida a Requisição de Pequeno Valor n° 2012.04.55.049675-2,  a importância depositada (R$ 17.782,14) já foi disponibilizada e devidamente levantada.”

PREJUIZO DO ERÁRIO

“Desta forma, evidencia-se que a condenação da UFPR ao pagamento da indenização em decorrência dos danos morais, e, consequentemente, o prejuízo ao erário público, deveu-se exclusivamente à conduta arbitrária do prof. dr. Renato Araújo Bonardi, portanto, ao Estado, lesado em seu patrimônio, em decorrência de sua responsabilidade objetiva, assegura-se o direito de buscar a reposição das perdas ocasionadas diretamente pelo agente responsável, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que prevê que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Prezados colegas, asseguro-lhes que nenhum valor pecuniário pode reparar o dano moral e existencial que sofri. A vitória, mesmo que parcial, constitui um fato inédito na história de nossa Universidade, que foi ferida na sua essência como academia, onde o direito de discordar, de argumentar, de conflitar, de discutir e, principalmente, de pensar diferente deve atuar sem titubeios, para que pilares mestres do saber acadêmico jamais sejam conspurcados”.

O FUNDAMENTO DA ACADEMIA

A idade moderna se iniciou com o triunfo da razão, do antropocentrismo sobre o teocentrismo. A ciência progrediu quando deixou de ser dogmática. Como dizia Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma palavra que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. Esse direito à livre expressão constitui não só o fundamento da academia, mas direito inalienável do cidadão que a constitui e, mais, do ser humano que, com a mais profunda dedicação, oferece todo o seu trabalho para o engrandecimento dessa Casa do Saber.

Mesmo aposentado, gostaria de deixar meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que me apoiaram com palavras, com depoimentos testemunhais e documentais e, principalmente, àqueles que acreditaram na minha causa. Agradeço particularmente aos funcionários da Fundação da UFPR, lotados no Departamento de Cirurgia, que, de algum modo, sofreram penalizações por minha causa. Agradeço a minha família pelo apoio e pelo incentivo em promover a Justiça.

Agradeço a Deus, que me deu a Cruz como bússola para a minha vida. Como cristão, jamais poderia deixar de agradecer a meu detrator, professor Renato Araujo Bonardi, que justamente na data da comemoração do centenário de fundação da UFPR, concede-me a rara oportunidade de tornar-me sujeito de sua história, de ter feito a diferença, de, mesmo ferido na minha honra e na minha dignidade, ter sido forte o suficiente para enfrentar todos os percalços de uma ação na Justiça Federal e construir, a partir desse sucesso, uma jurisprudência para que outros professores e funcionários possam também usufruir seus benefícios. Espero que meu exemplo seja seguido por todos aqueles que sofrerem danos, pois só teremos justiça se nos valermos da Justiça. Para o triunfo do mal, basta que os bons não façam nada (Edmund Burke).

A fortaleza é virtude cardeal para o médico e para o professor. A nada e a ninguém temam, enfrentem as adversidades, pois tudo aquilo que não destrói, fortalece (Nietzsche).

Quiçá, na comemoração do seu segundo centenário de fundação, professores, funcionários e alunos da UFPR possam parafrasear o grande Ruy, assim dizendo: de ver triunfar a competência, de ver prosperar a honra, de ver crescer a justiça, de ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos bons, o homem passa a perseguir a virtude e a honra e orgulhar-se de ser honesto.

Fernando Hintz Greca, Prof. Associado II (aposentado) da UFPR, Prof. Titular de Cirurgia da PUCPR”

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